É libertador entender algumas coisas. Nomear é mesmo preciso para dar dignidade e contorno às existências: "o nome das coisas desconforta / mas não ter nome / é coisa de coisa morta".
Hoje sempre que necessário só participo de situações sociais complexas por escrito. Consulta médica? Por escrito. Psicoterapia? Por escrito. Conversas difíceis e densas? Por escrito. Discussão e organização de tarefas? Por escrito. Entre tantas outras. Comunicação alternativa salva vidas, salva relações, salva sujeitos do afogamento na normose. Bom de verdade é sermos nós mesmos – isso é o que tem desenhado o sorriso largo do meu rosto depois de uma vida cheia de confusão e dor.
A escrita é minha vida, é minha melhor forma de expressão. É por ela que melhor compreendo o mundo e melhor sou compreendida. Então, se um dia você me encontrar por aí e eu puxar meu caderninho para anotar as respostas às perguntas que você me fizer, não sinta pena nem pense que estou sofrendo ou que "regredi". Eu apenas estou aprendendo a respeitar meus limites e ser eu mesma sem medo de ser feliz. E olhe: eu me sinto muito confortável com isso! 😍
Falar me requer um esforço físico e mental abissal. A quantidade de sinapses aumenta absurdamente, as assembleias neuronais não têm paz. O excesso de sincronizações neuronais causa um estresse incalculável, além de exigir uma hipervigilância sobre-humana para que o corpo acompanhe a mente e, assim, a superfície das palavras mantenha-se fiel à sua substância – o que nem sempre consigo. Recentemente, esse esforço chegou ao ponto de me levar a crises de dissociação e crises de ausência. Não quero mais. Meu corpo disse: chega!
Como todos que me conhecem sabem, eu posso falar com muita desenvoltura, mas as consequências são graves e todas minhas e isso nem todo mundo vê ou sabe. É algo que não quero mais. Por outro lado, posso falar também com muita dificuldade e acabar ferindo a mim mesma e às outras pessoas, pois há momentos em que os colapsos neurológicos não podem ser contidos por maior que seja a habilidade de vigiar e mascarar e performar. E isso eu também não quero mais. Então, tenho falado cada vez mais dos meus modos, nos lugares onde me sinto confortável e quando isso não viola meus limites, ou seja, se houver condições adequadas à minha natureza.
Pra quem convive comigo e quer entender melhor, é bem simples, vou dar alguns exemplos mas certamente vai além: não me exija falar demais, não me faça muitas perguntas seguidas, me dê um tempo para responder, não espere que eu atenda o telefone, não estranhe se eu só souber conversar longamente sobre meus hiperfocos. Forçar algo diferente me faz mesmo muito mal, e eu não quero mais cultivar minhas próprias dores. Quando elas vierem, que seja pela inevitabilidade da caminhada, não pela massacrante e vã tentativa de viver sendo quem eu não sou.
Vou sair na rua sempre com meus plugs de ouvido. Vou fazer ecolalia no banco. Vou girar à espera do Uber, vou pular e saltitar atravessando a pista, vou rir sozinha enquanto caminho, vou falar e gesticular sozinha enquanto almoço, vou me desviar da rota pra olhar as flores, vou dançar de fone de ouvido nas filas, vou virar estrelinha no meio do shopping, andar na rua parecendo bailarina. Tudo que for preciso pra me regular e ficar bem. Assim tenho feito e continuarei fazendo.
Não se envergonhe por mim nem pense que surtei. Muito menos se dê ao trabalho de se incomodar com os olhares dos outros. Se fosse pra me preocupar com isso, eu não saía de casa. Mas se quiser ir por esse caminho, tudo bem. Pegue uma senha e entre na fila que ela é bem grande kkkkkkkkkk... Mas aguarde sua vez pra poder me criticar sem passar na frente dos coleguinhas, viu? 😝
E caso você receba um bilhetinho meu ou eu te entregue meu caderninho pra ler, tenha certeza: estou falando do meu melhor modo com você! Portanto, valorize.
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Texto inspirado em posts da maravilhosa Carol Souza.
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05.10.2021